quarta-feira, maio 10, 2006

O Primeiro Museu é da Maré


Foto: Museu da Maré - Folha SP

MARÉ DE CONHECIMENTO

O Complexo da Maré, que reúne 16 favelas no entorno da baía de Guanabara, na zona norte do Rio, inaugurou ontem o primeiro museu em uma favela no país. O acervo é formado por fotografias, documentos e objetos do cotidiano doados pelos próprios moradores.

O museu foi uma iniciativa da organização não-governamental Rede Memória do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré e contou com apoio financeiro de R$ 190 mil do Ministério da Cultura. O ministro Gilberto Gil, participou da solenidade de inauguração, que teve apresentações de maracatu, capoeira e hip hop com grupos da comunidade.


Foto: Palafitas (baixa do sapateiro 1970) Autor Desconhecido


O alfaiate Atanásio Antônio Amorim, de 72 anos, que mora há 52 anos na Baixa do Sapateiro, uma das 16 favelas do complexo, doou ao museu fotografias antigas, tiradas na época em que a favela era uma grande palafita, ou seja, os barracos eram construídos sobre estacas na beira da baía da Guanabara.

Atanásio disse que tem vivo na memória o sofrimento dos moradores, quando a maré enchia e os barracos ficavam dentro d'água. No final da década de 1970, o governo aterrou a área e transferiu as pessoas para casas de alvenaria.



Complexo da Maré Hoje

A Origem do Complexo da Maré

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, a área hoje ocupada pelas comunidades da Maré era um recanto da Baía de Guanabara formado por praias, ilhas e manguezais.

As praias tinham água e areia limpas; a mata fechada permanecia intocada; os manguezais serviam como fonte de alimento para várias espécies animais; havia aves aquáticas, caranguejos e muito peixe e camarão. Até mesmo baleias nadavam tranqüilamente na Baía de Guanabara. As ilhas pareciam um paraíso tropical. Por contraste, a mesma área é hoje uma das mais poluídas da cidade.


A ação destruidora do homem começou com a extração do pau brasil que, segundo os registros mais antigos, era abundante na região. Em nome do comércio da madeira nobre, os colonizadores arrasaram as matas e provocaram a fuga das tribos indígenas locais para o interior.

Para escoar os produtos explorados e cultivados na região, foi criado – no século XVI – o Porto de Inhaúma. Ele se localizava onde hoje termina a Avenida Guilherme Maxwell, no cruzamento com a rua Praia de Inhaúma. O Porto desenvolveu importante papel econômico para o subúrbio e terminou seus dias abrigando a Colônia de Pescadores Z-6. Desapareceu nas primeiras décadas do século XX, após os sucessivos aterros na área.

Entre meados dos séculos XVII e XVIII, a região da Maré – também conhecida como "Mar de Inhaúma" – fazia parte da Freguesia rural de Inhaúma e integrava uma grande propriedade: a Fazenda do Engenho da Pedra. Sua terras abrangiam os atuais bairros de Olaria, Ramos, Bonsucesso e parte de Manguinhos. Hoje, onde seria a sede da fazenda restam apenas ruínas, que foram ocupadas pela Favela da Igrejinha, em Ramos.

A vinda da Família Real ao Rio de Janeiro, em 1808, trouxe facilidades para o exercício do comércio e proporcionou uma maior ocupação das áreas rurais da cidade. Mas o esmorecimento do mercado externo não tardou e, no decorrer século XIX, os proprietários buscaram novas formas de obtenção de renda. Iniciou-se, então, um processo de arrendamento de parcelas das fazendas a pequenos agricultores.
No final daquele século, os centros dos bairros começam a surgir em torno da linha férrea e suas estações.

Em 1899, foi fundado o Instituto Soroterápico (hoje Fundação Oswaldo Cruz ), cujo trabalho de pesquisa tem reconhecidamente contribuído para o desenvolvimento científico do país.

No início do século XX, pequenos núcleos de povoamento – quase sempre formados por pescadores – já se aglutinavam em torno dos portos na região, como o Porto de Inhaúma e Maria Angu. Mas este processo acelerou-se mesmo com a reforma urbana da prefeitura de Pereira Passos – que expulsou a população mais pobre do centro da cidade, provocando a ocupação das zonas periféricas.

A partir da mesma época, a enseada de Inhaúma (que se estendia da Ponta do Caju até a Ponta do Tybau) teve sua orla de manguezais destruída pela ação de diversos aterros.

A Ponta do Thybau, por ser uma área de terra firme, foi uma das primeiras regiões a ser povoada. Era o início da Comunidade Maré – hoje, um bairro com cerca de 130.000 habitantes.


Moradias da Favela da Maré - 1971

Dos primeiros habitantes à formação do bairro: o povoamento da Maré

A história da Maré urbana começa mesmo no anos 40, com o desenvolvimento industrial do Rio de Janeiro. Nessa época, a cidade recebeu um grande fluxo de migrantes nordestinos, em busca de trabalho. O paradeiro deles foram as regiões desprezadas pela especulação imobiliária, como encostas e áreas alagadas.

Neste período, a região da Leopoldina já havia se transformado em núcleo industrial. E, como as terras boas do subúrbio tinham se tornado objeto da especulação imobiliária, restou para a camada mais pobre a ocupação das áreas alagadiças no entorno da Baía da Guanabara.

No final da década de 40, já havia palafitas - barracos de madeira sobre a lama e a água – na região. Surgem focos de povoação onde hoje se localizam as comunidades da Baixa do Sapateiro, Parque Maré e o Morro do Timbau - única naturalmente de terra firme. As palafitas se estenderam por toda a Maré e só no início dos anos 80 foram erradicadas.

A construção da Avenida Brasil - concluída em 1946 - foi determinante para a ocupação da área, que prosseguiu pela década de 50, resultando na criação de outras comunidades como Rubens Vaz e Parque União.

Nos anos 60, um novo fluxo de ocupação da Maré teve início. Durante o Governo Estadual de Carlos Lacerda (1961-1965), foram realizadas obras de modernização na Zona Sul da cidade com a consequente erradicação de favelas e remoção de sua população para regiões distantes do município.

A partir de 1960, moradores de favelas como Praia do Pinto, Morro da Formiga, Favela do Esqueleto e desabrigados das margens do rio Faria-Timbó foram transferidos para habitações "provisórias" construídas na Maré. Daí surgiu a comunidade de Nova Holanda.

Até o início dos anos 80, quando a Maré das palafitas era símbolo da miséria nacional, como retrata a música Alagados, do Paralamas do Sucesso.


Crianças da Favela da Maré - 1971

Paralamas do Sucesso - Alagados

Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
E a cidade que tem braços abertos
Num cartão postal
Com os punhos fechados na vida real
Lhe nega oportunidades
Mostra a face dura do mal

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
A esperança não vem do mar
Vem das antenas de TV
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê

Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
E a cidade que tem braços abertos
Num cartão postal
Com os punhos fechados na vida real
Lhe nega oportunidades
Mostra a face dura do mal

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
A esperança não vem do mar
Vem das antenas de TV
A arte de viver da fé Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé Só não se sabe fé em quê

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
A esperança não vem do mar Vem das antenas de TV
A arte de viver da fé Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé Só não se sabe fé em quê

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
A esperança não vem do mar
Vem das antenas de TV A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê A arte de viver da fé

Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
A esperança não vem do mar
Vem das antenas de TV

A arte de viver da fé Só não se sabe fé em quê
A arte de viver da fé Mas a arte de viver da fé

Só não se sabe fé em quê A arte de viver da fé
Só não se sabe fé em quê A arte de viver da fé

Mas esse período marca também a primeira grande intervenção do Governo Federal na área: O Projeto Rio, que previa o aterro das regiões alagadas e a transferência dos moradores das palafitas para construções pré-fabricadas. São hoje as comunidades da Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança.

Em 1988, foi criada a 30ª Região Administrativa, abarcando a área da Maré. A primeira R.A. da cidade a se instalar numa favela marcou o reconhecimento da região como um bairro popular.

Nos anos 80 e 90, foram construídas as habitações de Nova Maré e Bento Ribeiro Dantas, para transferir moradores de áreas de risco da cidade. Já a pequena comunidade inaugurada em 2000 pela prefeitura e batizada pelos moradores de Salsa e Merengue é tida como uma extensão da Vila do Pinheiro.

Fontes: Sites Uol e Ceasm

Livro: Favelas - Fotos com 30 anos de Intervalo Rio de Janeiro 1971 / 2001
Autor: Fernando Bergamaschi de Souza Ano de Lançamento:2004
Site: PHOTO INDUSTRIAL

Um comentário:

Claudinha ੴ disse...

Olá Rogério,
Puxa que pesquisa,quanta informação! Você carioca não tem noção, ma a cidade em que moro não chega à metade de uma destas favelas! É muito grande, muito complexo! E louvemos as iniciativas de trazer cultura e memória para os habitantes!
Beijo!